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Relatório que embasou afastamento de juízes de Porto Seguro aponta relação do processo com casos de homicídio
O relatório que embasou a decisão do afastamento de três juízes pelo Tribunal de Justiça da Bahia (TJ-BA) relaciona as atividades investigadas no caso a pelo menos dois assassinatos e uma tentativa de homicídio ocorrida em frente ao fórum de Porto Seguro.
Os magistrados que atuavam na comarca da cidade foram afastados sob suspeita de grilagem de terras, corrupção e agiotagem.
São eles:
- Fernando Machado Paropat, titular da 1ª Vara dos Feitos Relativos às Relações de Consumo, Cíveis, Comerciais e Registros Públicos;
- Rogério Barbosa de Sousa e Silva, titular da Vara da Infância e Juventude e Execução de Medidas Sócio-educativas;
- André Marcelo Strogenski, titular da 1ª Vara Criminal, Júri e Execuções Penais.
A decisão unânime é do Tribunal Pleno da Corte baiana. Eles julgaram a pauta no último dia 19 de junho, tendo como base o relatório do corregedor-geral de Justiça, o desembargador Roberto Maynard Frank.
Além de discorrer sobre a questão da grilagem na região, o desembargador apresentou irregularidades ligadas a casos de homicídio. Uma delas tem a ver com o empréstimo de veículos apreendidos.
De acordo com o acórdão, o juiz André Marcelo Strogenski tinha o hábito de ceder veículos apreendidos a servidores da unidade, estagiário, motorista, segurança particular, instituições policiais e terceiros, sem qualquer controle. A situação chegou até a Polícia Rodoviária Federal (PRF), que teria encaminhado relatório sobre as abordagens desses carros nas ruas.
Em meio a isso, identificou-se que um dos veículos foi cedido a um réu por homicídio. Suspeita-se, inclusive, que o carro tenha sido utilizado no momento do crime.
A segunda citação a homicídio se refere a uma autorização do judiciário local para cremação de corpo, sem oitiva da Autoridade Policial investigativa ou do Ministério Público da Bahia (MP-BA).
Por último, há uma tentativa de homicídio, que ocorreu três anos atrás, em frente ao fórum da comarca. Nesse ponto, o desembargador menciona a “forte suspeita” de que a ordem tenha sido dada a partir das dependências do fórum.
O que dizem os envolvidos
O g1 tenta contato com as defesas dos magistrados, mas obteve retorno apenas do advogado Francisco Roque Festa, representante do juiz André Marcelo Strogenski. Ele já havia dito à TV Santa Cruz, afiliada da TV Bahia na região, que não teve acesso à integralidade dos autos. O advogado afirma que irá se pronunciar “assim que tiver ciência de todos os documentos” e reforça que seu cliente foi afastado do trabalho sem o “mínimo direito de defesa”.
“O Dr. André está muito tranquilo com a sua consciência e acredita que a Justiça em relação à sua ilibada conduta de magistrado, por décadas, será feita em breve”.
Quanto ao empréstimo de carros apreendidos a terceiros, o advogado afirmou ao portal que o juiz cedia veículos à guarda municipal e a instituições beneficentes, entre outros órgãos, mas não a criminosos. “Se alguém estava dirigindo um veículo e esse alguém estava sendo processado por homicídio, ele não tinha controle desse fato, escapou do controle dele, mas ele não cometeu nenhum ato que comprometa sua higidez profissional de mais de duas décadas sendo juiz na cidade do estado da Bahia”, defendeu.
Entenda o caso de afastamento
A produção da TV Bahia teve acesso ao acórdão que oficializou o afastamento dos magistrados. Além das citações a homicídios destacadas acima, o documento traz vários indícios de irregularidades cometidas.
O documento mostra que, no caso de grilagem de terras, houve desconsideração de áreas que são do Estado da Bahia e da União. Além disso, foram prejudicados antigos e tradicionais ocupantes de terras devolutas, aquelas sem destinação dada pelo poder público e que nunca integraram patrimônio particular, e não houve cuidados com a preservação ambiental.
Ao longo do relatório, o desembargador e corregedor-geral da Justiça, Roberto Maynard Frank, indica que formou-se uma associação entre juízes, promotores, advogados, empresários e secretário de obras do município e menciona uma série de crimes sob investigação.
Durante a apuração, foi analisado o aparelho celular do juiz Fernando Machado Paropat. O resultado das buscas teria apontado “atuação suspeita” entre ele e um promotor da cidade. Para a Corregedoria, há indícios de corrupção.
‘Liga da Justiça’
A descrição do relatório de Maynard Frank também destaca que foi descoberta a “existência de caos registral” no departamento que funcionava como repositório de qualquer documento apresentado. Ele não especificou qual dos magistrados atuava na área, mas apontou que tal desordem acabava “permitindo a comercialização de imóveis com valores milionários, sem capacidade de emprestar segurança jurídica quanto ao direito de propriedade”.
O desembargador argumenta ainda que foi formada uma sociedade entre magistrados e demais operadores do Direito, apelidada por funcionários do cartório como “Liga da Justiça”. Eles teriam se unido em um investimento de alto padrão — a aquisição de lotes em um terreno.
“Observou-se aquisição de área de 60.000m² por magistrados, promotor de Justiça e advogado, gerando sociedade em empreendimento imobiliário com 76 lotes individualizados, cabendo 8 deles a cada um dos juízes”, diz um trecho do texto.
Outro indício das irregularidades foi na identificação de uma das áreas públicas com “significativa mácula registral”, ou seja, manchas. A titularidade do terreno estava em posse dos pais de um magistrado punido com aposentadoria compulsória, justamente por sua atuação em casos de cunho imobiliário.