Faroeste baiano: como a Revista Veja retratou a Eunápolis dos anos 80
Quando nos deparamos com as manchetes policiais, testemunhamos um verdadeiro banho de sangue que inunda as periferias do extremo sul da Bahia. Diante de cenas que se tornaram parte do nosso cotidiano, sempre há alguém que começa a fazer comparações com uma certa nostalgia no ar: “Ah, antigamente não havia nada disso!”
Quem pensa dessa forma, simplesmente não viveu na época ou não se recorda da violência que se espalhava na região. Conforme consta em uma reportagem publicada na edição nº 685, da Revista Veja, em 21 de outubro de 1981, o então major da Polícia Militar, Artur Ribeiro de Araújo havia elaborado um relatório para a Secretaria Pública do Estado sobre o quadro da violência regional, o resultado não foi nada animador, segundo o próprio major “o ar é altamente pestilento para ser sorvido por pessoas de bem”. Pois, na época eram cometidos dois assassinatos por dia, isso numa população de 418 mil pessoas.
De acordo com o relatório, no início da história dos povoados que formariam os municípios da região, estavam em atividade mais de 250 matadores de aluguel prontos para o serviço. O valor por cada execução era de 200 mil cruzeiros, algo em torno de R$ 15 mil.
Diante da violência, logo pensamos que a polícia da época tinha muito trabalho a fazer. De fato, é verdade, isso quando a própria polícia não participava de roubos de automóveis, contrabando de madeira e assassinatos. A situação era tão caótica que o então secretário da Segurança Pública, coronel Durval de Mattos Santos, declarou que: “O extremo sul é a área mais difícil de minha jurisdição”.
A violência acompanhou a expansão da BR-101, a partir de 1973, quando ligou a região sudoeste do estado. O que permitiu o surgimento de um pujante mercado consumidor de madeira, e o contrabando veio logo em seguida.
O acesso as armas de fogo não era restrito, podendo elas serem compradas livremente, até mesmo em supermercados na cidade de Eunápolis; conforme foi noticiado no artigo do Sulbahianews intitulado “Vendidas até em supermercados: como era fácil comprar armas em Eunápolis”.
A rota do crime, uma linha que corta de Eunápolis até Mucuri, passando por diversos povoados e onde, atualmente, se encontra Teixeira de Freitas, surgiu após o início do crescimento deste mercado, deixando um rastro de assaltos e homicídios por onde passava. Em apenas dois anos, mais de 3 mil veículos foram roubados, por exemplo, um Passat da Volkswagen poderia ser comprado por apenas 100 mil cruzeiros, o que seria aproximadamente R$ 7 mil.
O epicentro do crime era o povoado de Eunápolis, que possuía em torno de 100 mil habitantes, onde poderia contratar um pistoleiro em qualquer bar da periferia. Alguns matadores de aluguel entraram na história, seja pela eficiência na arte de matar ou pelos métodos utilizados, como é o caso de Arnaldo Benedito de Oliveira, que tinha o estranho hábito de executar seu alvo com um tiro acima do pescoço, depois disso, o matador retalhava sua vítima, lançando o corpo no rio Jucuruçu. Outro personagem deste faroeste baiano era o Samuel Preto, que tinha o cordial costume de cumprimentar suas vítimas antes de efetuar um disparo à queima-roupa no coração.
Naquela época, não faltava era trabalho para o coveiro Calisto José Roldão, que em certa ocasião teve que cavar 11 covas para um bando de pistoleiros mortos em uma queima de arquivo. “Naquele dia trabalhei dobrado”, comentou o coveiro.
O banditismo de antigamente era tão marcante quanto o de hoje em dia, com a diferença do tipo de armamento utilizado pelos criminosos, mas isso não é de surpreender, afinal, como dizem “não há nada de novo debaixo do sol”.