Juízes de Porto Seguro são investigados por grilagem, fraude processual, enriquecimento ilícito e agiotagem
As correições nas serventias extrajudiciais da comarca de Porto Seguro e a correição extraordinária no Cartório de Registro de Imóveis e Tabelionato de Notas de Trancoso levantaram suspeitas sobre um possível esquema corrupção na Costa do Descobrimento baiano, envolvendo juízes, advogados, promotor, empresários e membros do Poder Executivo municipal.
Com os indícios, a Corregedoria-Geral de Justiça (CGJ) do Tribunal de Justiça da Bahia ( TJ-BA) solicitou o afastamento cautelar de três juízes, pedido que foi acatado pelo Pleno em sessão sigilosa na última quarta-feira, 19 de junho. Entre os crimes atribuídos aos magistrados estão corrupção, lavagem de dinheiro, grilagem de terra, fraude processual e agiotagem.
Foram afastados os juízes Fernando Machado Paropat Souza, titular da 1ª Vara dos Feitos Relativos às Relações de Consumo, Cíveis, Comerciais e Registros Públicos; Rogério Barbosa de Sousa e Silva, titular da Vara da Infância e Juventude e Execução de Medidas Sócio Educativa; e André Marcelo Strogenski, titular da 1ª Vara Criminal, Júri e Execuções Penais.
Os magistrados também estão proibidos de acessar o Fórum da comarca de Porto Seguro, especialmente nas serventias judiciais, de manter contato com servidores e magistrados da comarca e de acessar as serventias extrajudiciais. O Pleno do TJ-BA também ordenou o bloqueio de acesso aos sistemas judiciais, extrajudiciais, administrativos e outros vinculados do tribunal e do token institucional de cada magistrado.
Parte das evidências do suposto esquema de corrupção foram obtidas a partir da análise do aparelho celular do juiz Fernando Machado Paropat Souza. Segundo a Corregedoria, há a suspeita de que ele atuava de maneira suspeita em processos judiciais junto com o promotor de Justiça de Porto Seguro Wallace Carvalho.
A ata da correição feita pela CGJ aponta que um dos arquivos inspecionados constata a elevação patrimonial a “pessoas politicamente expostas”, incluindo magistrados e promotores. Conforme o documento, foi identificada a aquisição de área de 60.000m² por magistrados, promotor de Justiça e advogado, gerando sociedade em empreendimento imobiliário com 76 lotes individualizados, cabendo 8 deles a cada um dos juízes. A apuração ainda constatou que o empreendimento estaria integralmente vendido, com exceção de apenas um lote de 4.000m², esta, uma das 76 partes.
“Ao efetuar a busca pelo indicador pessoal do Cartório de Registro de Imóveis, a fim de levantar as matrículas decorrentes, foi encontrada uma quantidade substancialmente elevada de bens imóveis titularizada pelos juízes no município de Porto Seguro, em áreas deveras valorizadas”, indica a Corregedoria. Do patrimônio imobiliário levantado pelas serventias do município de Porto Seguro, apurou-se, até o presente momento, 101 matrículas em nome dos magistrados da comarca.
Segundo a Corregedoria, depoimentos colhidos durante a correição ordinária nas Serventias Extrajudiciais relataram a suposta prática de grilagem, com a desconsideração de áreas do Estado da Bahia e da União, de antigos e tradicionais ocupantes de terras devolutas e de questões de preservação ambiental; liberação de glebas dentro de matrículas bloqueadas em razão de decisão em ação discriminatória ajuizada pelo Estado da Bahia; arbitrariedades, ilícitos ambientais, ajuste de condutas e transações imobiliárias suspeitas, envolvendo supostos proprietários de imóveis, empresários e autoridades locais, como membros do Ministério Público, do Poder Judiciário, da Polícia Civil e da Polícia Militar, além da Secretaria Municipal de Meio Ambiente, inclusive mencionados nominalmente.
Em seu relatório, a CGJ também destaca que o juiz André Marcelo Strogenski, titular da 1ª Vara Criminal, utilizou de maneira irregular o Sistema SISBAJUD da 1ª Vara Cível, com aparente indicação de parte e número de processo inexistentes. Além disso, a sua assessora estaria atuando em processos nos quais o seu filho é advogado.
Os fatos apurados apontam outra atitude suspeita de Stogenski, com a liberação do uso de veículo pertencente ao Poder Judiciário para um réu de um processo de homicídio em trâmite em outra unidade judicial inclusive com suspeita inicial de sua utilização no momento do crime e, também, de ser objeto de negociação particular. O juiz teria, ainda, autorizado viagens para um réu condenado por evasão de divisas.
Consulta ao acervo processual da comarca de Porto Seguro verificou a tramitação de processo judicial com interceptação telefônica inclusa nos autos, onde um presidiário conversa com sua esposa e afirma que o juiz criminal receberia dinheiro para proferir decisões favoráveis.
Em outros depoimentos colhidos e mediante verificação e transcrição de mensagens e áudios, a Corregedoria observou que juízes e o promotor de Justiça supostamente praticam agiotagem, utilizando intermediário para realização de empréstimos de dinheiro a juros.
O relatório conclusivo dos trabalhos correicionais feito pela CGJ do TJ-BA apontou para a existência de “caos registral na serventia”, que funcionava, em grande medida, como “repositório de qualquer documento apresentado, permitindo a comercialização de imóveis com valores milionários, sem capacidade de emprestar segurança jurídica quanto ao direito de propriedade, com consignação da existência de registros de área não especificada, totalmente dissociados da constante na descrição original, por desmembramentos de áreas superiores às registradas ou sem identificação de vínculo com a matrícula antecedente, em que não é possível extrair a mínima especialidade objetiva”
De acordo com os relatórios, a atuação do grupo provocou aumento do risco da “aquisição imobiliária em Porto Seguro”; a dispersão de investidores; insegurança das famílias que possuem seus títulos; ocupação ilegal de terras; atração de inúmeras pessoas dispostas à prática delituosa de lotear, desmembrar ou fazer propostas, inclusive sobre terras públicas, em desacordo com a legislação de regência.