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Bruno Caliman conta como foi compor música ‘Chico’, de Luísa Sonza

21/09/2023 - 14h59Por: G1

“Chico”, a bossa nova mais comentada do século, quase foi lançada como um pagode. Não fosse Bruno Caliman, um dos cinco compositores e autor da melodia, a canção de Luísa Sonza em homenagem ao influenciador Chico Moedas certamente não teria gerado tanto debate.

A faixa, incluída no novo disco da cantora, “Escândalo Íntimo”, foi a mais ouvida do Brasil no Spotify nas últimas semanas. E há quem comemore uma bossa nova ter chegado ao topo desse ranking pela primeira vez, 65 anos depois do compacto de João Gilberto (1931-2019) com “Chega de Saudade”, considerado o trabalho inaugural do gênero que mudou tudo na música.

Mas há quem negue o rótulo para a canção, argumentando que “Chico” é simples demais para uma bossa. “Tudo que é muito purista leva ao preconceito”, rebate Caliman, em entrevista ao g1 (veja os principais trechos no vídeo do topo).

“Eu acho que os grandes compositores da bossa nova estão amando ver isso acontecer.”

Baiano, como João Gilberto, e vivendo no Espírito Santo, terra de Roberto Menescal, Caliman viajou a Los Angeles (EUA) a pedido de Luísa para ajudar a compor músicas do novo álbum — além de “Chico”, ele participa de “Não sou demais”, “Iguaria” e “Carnificina”.

O maior sucesso do “Escândalo” nasceu para reproduzir em música a energia e a personalidade de Chico Moedas. O namorado de Luísa ficou famoso como um bon vivant dos novos tempos, passeando por botecos do Rio de Janeiro e comentando assuntos variados com os amigos em lives na internet. Tudo bancado pelo suposto êxito no investimento em criptomoedas.

A faixa ficou pronta em cerca de 40 minutos, com Caliman discutindo letra e melodia com as demais compositoras: a própria Luísa, Carolzinha e Jenni Mosello. O produtor Douglas Moda é o quinto nome dos créditos.

“O disco inteiro foi feito em cima de beats, batidas prontas. Esse é o jeito do pop compor. Essa música tinha um beat pronto no computador, que lembrava um pouco de pagode”, ele conta. “Era muito rápido para falar de amor.”

Foi Caliman quem deu a ideia de criar a harmonia no violão, com acordes mais próximos da bossa nova.

Praticando obsessivamente em um banheiro da casa da irmã em Diamantina (MG), em 1955, João Gilberto criou a batida mítica da bossa nova com seu jeito revolucionário de tocar violão, inspirado no batuque do tamborim.

Para iniciantes no instrumento, é quase impossível reproduzir as melodias que surgiram a partir dali. Alguns clássicos da bossa nova — caso de “Minha Namorada”, de Vinicius de Moraes e Carlos Lyra, por exemplo — chegam a ter mais de 30 acordes. Para título de comparação, uma música sertaneja costuma ter entre três e quatro acordes.

“Chico” tem seis acordes. “Poucos acordes para uma bossa nova típica, mas há também músicas do movimento que são assim. Não tem uma regra estabelecida, depende muito de como a música é produzida”, ensina Caliman.

Ele compara o ambiente de criação da música, com amigos reunidos num quarto em Los Angeles, com o cenário onde foi plantado o embrião da bossa nova: as lendárias reuniões no apartamento de Nara Leão, no Rio, que juntavam nomes como Menescal, Lyra, Sérgio Ricardo, João Gilberto, Luiz Carlos Vinhas e Ronaldo Bôscoli.

“Eram quatro jovens tentando replicar a casa de Nara Leão. E o que eu mais quero é que várias casas se transformem na casa de Nara. A música brasileira precisa disso.”

Um garoto e um violão

Caliman diz que “Chico” foi criada de forma despretensiosa — “é só uma garota com um violão de nylon, falando da pessoa que ela ama” –, e que em nenhum momento imaginou a repercussão que a música ganharia. Mas ele é um compositor acostumado ao topo.

É difícil encontrar alguma unidade entre as duas músicas, mas o criador de “Chico” é também o de “Camaro Amarelo”, hit emblemático do sertanejo universitário. O sucesso automotivo deu fama à dupla Munhoz e Mariano em 2012.

Não é só ela. No sertanejo, Caliman também compôs canções como:

“Te Esperando”, “Escreve Aí” e “Água com Açúcar” (Luan Santana);

“Domingo de Manhã” e “Eu Era” (Marcos e Belutti);

“Fiorino” (Gabriel Gava);

“Contrato” (Jorge e Mateus);

“Locutor” (Léo Magalhães);

“Cobaia” (Lauana Prado) e “Investe em Mim” (Jonas Esticado).

Também tem trabalhos com Ana Carolina, Roupa Nova, Paulo Ricardo, Luiza Possi, Lucy Alves, Tiê e Dilsinho (é de Caliman o maior sucesso do cantor, “Péssimo Negócio”).

Um dos nomes mais importantes e requisitados nos bastidores da música muito popular do Brasil, ele se mantém discreto: quase não chama atenção para si nas redes sociais e pouco aparece na imprensa.

O compositor conversou com a reportagem do g1 em um apartamento na Praia da Costa, em Vila Velha (ES), que mantém para receber e hospedar parceiros musicais. Artistas que se revezam nas listas de mais ouvidos do país viajam para lá apenas para compor com ele.

“Vila Velha é um lugar lindo e tranquilo, não saio daqui por nada. Eles têm que vir para cá para compor comigo. A São Paulo, eu sempre vou num pé e volto no outro”, diz, brincando.

As músicas começaram a nascer em sua cabeça quando ele ainda era criança. A primeira surgiu como resposta ao bullying que sofria na escola. “No silêncio da sala de aula, eu levantei e cantei uma musiquinha, que se espalhou pelo colégio. Ninguém nunca mais mexeu comigo.”

Até ganhar segurança para mostrar suas músicas a artistas famosos, vagou por lojas da Bahia e do Espírito Santo oferecendo jingles publicitários, sempre com seu violão a tiracolo.

Hoje aos 46 anos e analisando o vasto currículo, ele diz que o instrumento é o elemento que une toda a sua composição, tão ampla em estilos. “Ele junta tudo. Todos os tipos de música estão no violão”, explica. “Às vezes, eu vejo um pouco de preconceito: ele faz sertanejo, não pode fazer bossa nova. Mas não importa a roupa que a música está vestindo, é sempre música.”


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