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Advogado que passou por cirurgia em Teixeira relata drama ao UOL após ser diagnosticado com problema vascular raro

23/11/2022 - 15h29Por: VivaBemUOL

O advogado Emmanuel Soares, 35, já estava acostumado a sentir dores abdominais devido ao diagnóstico de gastrite. Mas o desconforto que sentiu enquanto assistia a uma aula no ano passado foi diferente de tudo que havia experimentado antes.

Aguda e irradiada para o lado esquerdo do abdome, a dor, que ele pensou ser pedra no rim, persistiu por dias. Depois de uma bateria de exames, o morador de Porto Seguro (BA) descobriu que tinha sofrido uma dissecção das artérias viscerais, problema vascular relativamente raro.

Na véspera de Ano-Novo, o caso se agravou e ele precisou passar por uma cirurgia endovascular, na qual foram implantados dois stents em sua artéria celíaca, também conhecida como tronco celíaco. A seguir, leia o relato que ele deu ao VivaBem.
“Tudo começou no dia 28 de novembro do ano passado. Eu tive um mal-estar, uma dor no abdome e na lombar, do lado esquerdo. Só que eu estava tendo uma aula de mestrado na hora, e achei que não era nada demais. Pensei que pudesse ser uma pedra no rim, porque tomei bastante água e melhorou um pouco.
Só que a dor voltou e se repetiu nos dias seguintes, sempre quando eu me deitava. Como eu já tinha refluxo e gastrite, comecei a associar ao estômago. Mas confesso que achei estranho, porque nunca tinha sentido uma dor daquele tipo.

Decidi procurar um gastro. O médico me passou alguns exames, como endoscopia, mas eu pedi para fazer também uma tomografia, porque estava receoso de que pudesse ser um tumor.
O resultado da tomografia mostrou que havia um ‘alargamento do tronco celíaco’, mas o gastro disse que era necessário fazer uma angiotomografia para constatar se realmente aquele era o diagnóstico, porque, se fosse, eu teria que procurar um médico vascular.

Àquela altura do campeonato, para ser sincero, eu não sabia nem o que era tronco celíaco.
O diagnóstico

Dois dias depois da consulta, o gastro ligou para a minha esposa para perguntar se eu já tinha marcado o exame. A gente achou estranho. Para o médico ligar pessoalmente perguntando isso, ou é porque era alguma coisa grave ou esse médico é político.

A ligação dele acendeu uma luz de alerta, mas, independentemente de ele ter ligado, eu já tinha marcado o exame. O resultado confirmou: era uma dissecção do tronco celíaco e eu precisava procurar um vascular de imediato.
Isso foi no dia 21 de dezembro. Como todo mundo já estava de férias, não consegui achar nenhum vascular na minha cidade. Mas a gente descobriu que um angiologista estaria de plantão em um hospital de Eunápolis, a cerca de 60 km de Porto Seguro, no dia seguinte.

Infelizmente, o profissional que me atendeu foi péssimo: ele olhou meus exames e falou que ali não tratavam isso, que eu precisaria procurar um grande centro. Ainda disse: ‘Saiba que você pode ir para casa do papai do céu a qualquer hora’. Falou com esse nível de informalidade.
Foi um choque muito grande. A minha pressão caiu dentro do consultório, eu quase desmaiei. Ouvir que eu poderia morrer a qualquer momento me assustou muito.

A dissecção tem como alguns fatores de risco a hipertensão, a aterosclerose (acúmulo de gordura nas artérias) e o estresse. Eu tinha gordura no fígado e já tinha tido picos de pressão por estresse. Na época em que foi diagnosticada a dissecção eu estava muito estressado, em razão do mestrado e de uma reforma que estávamos fazendo em casa.

Também tenho um avô que teve um AVC aos 36 anos e outro por parte de mãe que no final da vida teve aterosclerose. Mas eu não tinha diagnóstico de pressão alta. Saí do hospital sem chão. O meu psicológico estava como uma bomba relógio, foi a pior sensação que eu já tive na vida.

Cirurgia endovascular
Como meu cunhado é médico em Teixeira de Freitas, que fica a 350 km daqui, ele conseguiu marcar uma consulta para mim com um vascular intervencionista de lá no dia seguinte.
Dessa vez, fomos muito bem acolhidos pelo médico. Ele explicou que, dependendo de como a dissecção estivesse, não precisaria ser feita nenhuma intervenção e ela poderia cicatrizar espontaneamente.

Mas um novo exame mostrou que o problema tinha evoluído para um pseudoaneurisma. Como ele poderia romper a qualquer momento, causando uma hemorragia interna —que seria fatal—, precisei passar por uma cirurgia endovascular, na qual foram implantados dois stents no local da lesão e foi feita uma embolização do pseudoaneurisma.

Fui operado com sucesso no dia 31 de dezembro. Passei a virada do ano na UTI e agora já se passaram 11 meses desde a cirurgia. Ainda faço uso de anticoagulante para adaptação dos stents e tomo ansiolíticos por causa do trauma que ficou. Soube pelo médico que o paciente mais novo relatado na literatura com essa ocorrência tinha 35 anos, então eu posso ter sido o mais novo a ter tido esse problema.

Mas estou muitíssimo grato de estar vivo e acordar todos os dias pela manhã ao lado da pessoa que amo e que me ajudou a passar por tudo isso, minha esposa. Para a gente, foi uma vitória, porque, mesmo com tudo que passamos, conseguimos defender nossas dissertações de mestrado e reformar a casa.

Essas duas conquistas já teriam sido uma vitória por si só, mas passar por tudo isso e ainda conseguir cumprir com essas metas que a gente tinha foi uma vitória em dobro.”
O que é dissecção do tronco celíaco

As artérias —vasos sanguíneos que levam sangue ao corpo— são revestidas de uma parede de três camadas: a íntima, que é a mais interna, a do meio (também chamada de muscular) e a externa (denominada adventícia).

A íntima é a responsável por revestir o sangue que passa no interior da artéria. Se por algum motivo ela sofrer uma lesão e romper, acontece o que os médicos chamam de dissecção: o fluxo sanguíneo acaba percorrendo o espaço entre as camadas íntima e média, dissecando-as.
Essa ruptura pode ocorrer em inúmeras artérias do corpo, incluindo aquelas que levam sangue rico em oxigênio para o coração (as coronárias). Mas a dissecção das artérias viscerais, que irrigam as vísceras (como intestino, bexiga e estômago), como aconteceu com Emmanuel, é um evento considerado raro.

No caso do baiano, a artéria visceral afetada foi o chamado tronco celíaco. “O tronco celíaco surge da parte abdominal da artéria aorta e leva fluxo sanguíneo para três órgãos grandes, que são o estômago, o fígado e o baço. Ele está envolvido em processos digestivos e imunológicos”, explica Francisco Leonardo Galastri, radiologista intervencionista do Centro de Medicina Intervencionista do Hospital Albert Einstein.

Quais são os fatores de risco?

De acordo com o médico, que também é especialista em cirurgia vascular, há três principais causas da dissecção no tronco celíaco:
Aterosclerose: ocorre quando placas de gordura se acumulam nas artérias, estreitando e enrijecendo os vasos sanguíneos, ou até obstruindo-os. O responsável por esse processo é o colesterol “ruim” (LDL);
Ligamento arqueado mediano: trata-se de uma variação anatômica que, segundo Galastri, está presente em até 20 a 30% da população. É uma banda de tecido fibroso que geralmente entra em contato com a aorta acima da origem do tronco celíaco;
Displasia fibromuscular: grupo de alterações arteriais que podem causar algum grau de estreitamento dos vasos sanguíneos, oclusão vascular (bloqueio do fluxo sanguíneo em determinada região) ou aneurisma (dilatação anormal de uma artéria). Ocorre com maior frequência em mulheres de meia-idade.
“O fato de ter qualquer uma das três não quer dizer que a pessoa vá ter dissecção no tronco celíaco, mas elas aumentam o risco, porque causam uma diminuição do calibre, aumento da velocidade do fluxo sanguíneo e maior risco de ferida na camada mais interna da artéria”, explica Galastri.
Tabagismo ativo ou passivo e hipertensão arterial também são predisponentes. O estresse é outro fator. Segundo o médico, é muito comum que os pacientes relatem episódios de estresse recentes, com picos de pressão alta. Em alguns casos, a dissecção pode ocorrer sem causa definida. A maioria dos pacientes são homens acima dos 50 anos
Sintomas e diagnóstico
O sintoma mais frequente em pacientes com dissecção das artérias viscerais é a dor abdominal aguda. Ela é intensa e localizada especialmente na região alta do abdome, chamada de epigástrio, de forma que, muitas vezes, pode ser confundida com a dor do infarto agudo.

Ao contrário da dissecção da aorta (maior vaso sanguíneo do corpo humano), que pode levar à morte em questão de minutos, muitas vezes a dissecção das artérias viscerais não causa nenhum sintoma nem prejuízos ao indivíduo: o próprio corpo fecha espontaneamente a dissecção.

Nesses casos, explica o médico, é comum que o paciente só descubra que sofreu o evento ao fazer uma tomografia para investigar outro problema, por exemplo.

Como funciona o tratamento

A característica da lesão arterial é o que irá direcionar o tratamento. Na maioria dos casos, a abordagem é clínica, com o uso de analgésicos para dor e medicações para evitar a trombose, como anticoagulantes e antiagregantes, além do controle da pressão arterial.

Em casos mais graves, intervenções cirúrgicas podem ser necessárias. Um exemplo é quando a dissecção evolui para um pseudoaneurisma —caso de Emmanuel. Se não for tratada, pode levar à ruptura da parede arterial, causando hemorragia e levando o paciente ao óbito.

Outras indicações de cirurgia incluem casos em que a dor persiste ou a dissecção aumenta mesmo com o tratamento convencional.

A implantação de stents na artéria visceral afetada é uma das opções terapêuticas para o problema. “Seja nas artérias coronarianas ou viscerais, o objetivo do stent é o mesmo: sustentar a parede do vaso, permitindo que o sangue tenha passagem livre”, explica Silvio Giopatto, cardiologista do Hospital Vera Cruz (SP).

“Uma vez cicatrizada a dissecção, com a separação dos vasos, o vaso volta a ficar bem. Ao olhar nos exames futuros, nem percebe-se que teve alguma coisa no passado”, diz.
Tem como prevenir?

O médico Mateus Alves Borges Cristino, diretor de publicações da SBACV (Sociedade Brasileira de Angiologia e de Cirurgia Vascular), explica que, por ser uma condição rara, sua história natural ainda não é completamente elucidada e, portanto, não pode ser completamente prevenida.
No entanto, o controle dos fatores de risco, como o tabagismo e a hipertensão, podem ajudar nos casos relacionados a esses fatores.


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