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Baiano com cabeça virada para trás relembra momentos da vida e conta sobre como tem vivido o isolamento social

24/03/2021 - 08h49Por: G1/BA

Ele tem as pernas atrofiadas, os braços colados no peitoral e a cabeça virada para trás, sustentada pelas costas. Claudio Vieira de Oliveira, morador de Monte Santo, sertão da Bahia, hoje com 44 anos, conta como tem sido a rotina em tempos de pandemia.

Claudinho, como é carinhosamente chamado pelos amigos, tem a doença Artrogripose Múltipla Congênita (AMC). O baiano, que no dia do nascimento ouviu do médico que teria no máximo 24 horas de vida, relata que atualmente está em uma situação atípica, já que as limitações físicas nunca o impediu de fazer as coisas que ele quis.

“Eu nunca tive [dificuldades], minha vida é normal. Eu estou na quarentena acirradamente, porque esse Covid é muito agressivo, ele é letal, então a gente tem medo. Deus me livre dessa maldita doença”, disse Claudinho.

“O cuidado é mais que redobrado, mantendo o isolamento há mais de um ano e só saio para resolver algo que só eu possa fazer, por exemplo: banco, recadastramento”.

O baiano conta que começou a se acostumar com a forma física aos sete anos, quando deixou de andar de forma rastejante para transitar de joelhos, como acontece até hoje. Claudio aprendeu a ler e escrever em casa, depois de pedir à mãe.

Apesar de ter a cabeça para baixo, ele garante que consegue enxergar tudo normal e que não tem dificuldade em comer, beber ou respirar.

Agora, Claudio já lançou um DVD e uma autobiografia. Em 2000, passou a dar depoimentos em igrejas, a convite de amigos, e tomou o gosto para fazer palestras motivacionais.

Por causa da pandemia, as palestras, que contam a história de vida dele e fatos de superação, precisaram ser suspensas. Em entrevista ao G1, ele lembra com carinho dos momentos e diz que planeja a volta em abril, a depender do número de infectados.

“Morrendo de saudades. Tenho uma palestra pré-agendada na cidade de Bezerra, em Pernambuco, no dia 28 de abril. Se a pandemia aliviar, a gente vai fazer com restrições”, revelou.

O curioso caso de Claudio

Logo quando nasceu, Claudio recebeu um veredito dos médicos: no máximo 24 horas de vida. A ciência não explica, mas ele já caminha para os 45 anos.

“Eles falaram de acordo com o momento, década 70. Ele era recém-formado, fez o parto dentro de casa, porque o hospital de Monte Santo estava para ser inaugurado. E foi parto normal e era para ser cesariana. Um parto de risco, então eu não vou condenar ele, porque qualquer um falaria isso”, contou.

Claudinho já foi alvo de um estudo de caso de uma pesquisa internacional para entender como ocorre a detecção de rostos pelo cérebro, comandada por pesquisadores internacionais de psicologia, da Universidade de Brunel, em Londres, e da Universidade de Havard, nos Estados Unidos.

“Eu digo que foi um grande milagre da vida. Deus operou naquele momento é que abençoou”.

O médico foi responsável, além de fazer o parto de Claudinho, do batismo. Como se temia pela morte do bebê, o rito foi feito às pressas.

“Ele é meu padrinho de batismo. Ele me deu 24 horas de vida, então tinha que me batizar antes que eu morresse. Na nossa religião, não pode enterrar criança sem ser batizado”.

Trabalhos sociais

Claudio também se dedica a trabalhos sociais. Em Monte Santo, ele participa do projeto educativo “Alegra-te”, fundado por um amigo, o então médico cubano, Luís Miguel, que chegou no município em 2017, para trabalhar no Programa Mais Médico.

A entrada no projeto foi em um momento de ajuda que Luís Miguel precisou. Claudio conseguiu transporte para crianças irem à festa feita pelo grupo.

“Alguém ‘pisou na bola com ele’ e disseram que eu tinha muito conhecimento com o secretário de transporte”, conta.

Devoto da Virgem Maria, Luís Miguel largou a medicina e se prepara para ser padre em Feira de Santana, cidade a 100 quilômetros de Salvador.

No projeto “Alegra-te”, voluntários fazem pinturas, manicures, brincadeiras com palhaços, doações de brinquedos, entre outras ações. As atividades foram suspensas por causa da pandemia.

“Com a pandemia nós paramos, porque temos voluntários no grupo de risco, inclusive eu. A gente encerrou e vamos fazer uma comemoração online no dia 25 de março”.

A situação difícil instalada no país e no mundo não desanima Claudinho, que faz planos para o pós-pandemia.

“Eu quero voltar a fazer minhas palestras e viver muitos anos”.

Sonhos realizados

Entre palestras nos Estados Unidos e visita ao Papa João Paulo II no Vaticano, em 2013, Claudinho conheceu o Papa Francisco na XXVIII Jornada Mundial da Juventude. Ao conhecer as Igrejas da Candelária e a Catedral com a ajuda de um taxista, ele conseguiu um passaporte para conhecer um dos homens mais importantes do mundo.

“Quando eu cheguei lá [Catedral], tinham vários repórteres e um deles me abordou. Eu disse da vontade que tinha de participar da jornada e ele me falou que não poderia prometer, mas que ia tentar me ajudar”.

“No dia seguinte, ele liga para mim e fala para eu ir correndo para o centro, que o Papa Francisco ia inaugurar uma ala no Hospital São Francisco de Assis. Ele conseguiu com um frei e eu entrei”, disse.

No dia em que conheceu o Papa Francisco, a máquina fotográfica dele foi confiscada, mas ainda assim teve sorte. “Tinha uma médica do hospital que estava com uma máquina escondida no bolso do jaleco dela. Aí eu pedi para ela fotografar o momento, ela riu e falou: ‘Fique com o bico calado’, aí o Papa passou e pedi a bênção”, revelou.

Após ter batido as fotos, ele perguntou a médica como ele receberia as lembranças. Os dois não tinham caneta e nem papel. A saída foi ela gravar o e-mail dele.

“Ela memorizou e três dias depois ela entrou em contato e disse que a fotografia não saiu. Acho que na agonia, com o movimento, ela fez uma filmagem sem querer”, o que foi bem melhor para Claudio.

Anos antes, Claudio conheceu outra grande personalidade. O maior ídolo do Flamengo, Zico.

Claudinho estava na casa da irmã, que mora no Rio de Janeiro, quando foi convidado pelo cunhado para ir no Jogo dos Artistas, no Maracanã, em 2009. No estádio, ele contou que começou a “circular na arquibancada” até que encontrou o filho do galinho.

“Eu encontrei o filho do Zico. Eu falei para ele que queria conhecer os jogadores, inclusive o pai dele. Aí ele pediu paciência e disse que permitiria eu ficar no banco de reservas”.

Sentado no lugar onde fica os jogadores reservas, Claudinho conheceu artistas e jogadores como Edmundo e Ronaldinho Gaúcho. E, por um momento, achou que não fosse conhecer Zico.

“Eu achei que eu ia conhecer ele no início da partida ou no intervalo. O jogo acabou, todo mundo foi embora, não apareceu ninguém, aí eu chamei meu cunhado para ir embora. Ninguém deu atenção, não ia ficar no Maracanã escurecendo”, disse.

“O segurança falou: ‘Ei, você não pode sair agora. Eu tenho ordens para você não sair’. Eu tomei um susto, mas com pouco minutos o Zico chegou”.

Mais de 10 anos depois, ele ainda recorda detalhes da emoção que sentiu. “Ele conversou comigo, me deu a camisa que ele usou no jogo de presente. Eu estava nervoso, lembro que ele vestiu a camisa em mim e assinou”.


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