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A história de Maria ‘Mil Réis’ e a casa de prostituição em Teixeira

24/09/2018 - 17h31Por: Site Tirabanha/Daniel Rocha

Relatam antigos moradores que Maria “Mil Réis” foi uma das mulheres mais conhecidas da cidade de Teixeira de Freitas, Extremo Sul da Bahia, na década de 1970. Influente e popular, era dona de uma banca na feira e de uma currutela de madeira aberta às margens da BR-101 e da antiga estrada de rodagem da Eleosippo Cunha, hoje avenida São Paulo, para atender mulheres em busca de guarita e homens em busca de bebida, comida e sexo. Um incêndio que destruiu a sua casa/currutela  é relacionado ao seu posicionamento político.

Dentre os diversos relatos sobre Maria “Mil Réis”, muitos a descrevem como uma mulher alegre, comunicativa, receptiva e muito querida pelos trabalhadores, caminhoneiros e passantes. Era dona de uma banca na feira da “Pausoeira”, hoje “Mercadão”, onde revendia abóboras e cereais como feijão, milho e farinha, segundo recorda Celestina Macedo, que se classifica como uma “parente indireta”, já que sua madrasta era irmã de Maria “Mil Réis”.

Celestina lembra que boa parte da popularidade da parente não se deve apenas ao fato de que a casa dela servia como ponto de encontro para homens em busca de sexo e mulheres, muitos deles casados, mas porque era uma pessoa generosa que tinha “tino” para os negócios e um carisma que conquistava as pessoas.

Lembro que quando ela chegava na feira o povo flechava na banca dela, sabia conversar com os pobres… Vendia fiado, dava desconto, vendia a metade para quem não podia levar inteiro e o talho para quem não podia levar a banda… O povo gostava disso. Se ela fosse uma política ela tinha ganhado uma eleição”, contou Celestina.

Se não se lançou candidata, por outro lado, não deixou de fazer política, segundo recorda Edjair Nunes, em conversa informal. De acordo com ele, por ser Maria uma mulher extremamente conhecida e querida, fazia uso de sua grande popularidade e influência “tomando partido” e declarando apoio a “candidatos amigos” a fim  de “influenciar votos”.

Tanto que sabe, de ouvir dizer, que ela teve a casa incendiada por um grupo de partidários políticos depois de manifestar apoio a um dos candidatos para a eleição municipal de Alcobaça, ao qual parte do então povoado de Teixeira de Freitas era subordinado no início da década de 1970.

Conforme informam os historiadores Jailson C. Pereira Guerra e Leonardo Santos Silva , no trabalho monográfico “O processo de emancipação política de Teixeira de Freitas (1972-1985)”, em 1972 foi realizada em Teixeira de Freitas, como em outros municípios brasileiros, exceto as capitais, a primeira eleição bipartidária do período da ditadura militar, 1964 – 1985, depois do Ato Institucional Número Dois (AI-2) de 1965, que instituiu o bipartidarismo através da criação da Arena, “situação”, e o MDB, “oposição”.

Ainda de acordo com a pesquisa de Guerra e Silva, o candidato da “situação” e residente do povoado, Wilson Brito (ARENA), venceu o morador da sede, João Bernardo de Souza (MDB), depois de uma acirrada disputa marcada por eventos e ameaças a partidários e candidatos.

De maneira que o candidato da Arena, Wilson Brito, contou com o apoio de lideranças políticas locais e de todo aparato do executivo, enquanto o candidato do MDB, João Bernardo de Souza, com o apoio dos moradores, que sofreram repressão, tendo ele próprio sido alvo de intimidação quando uma bomba explodiu em sua casa. É necessário que se registre igualmente que os autores consideram que a vitória do candidato Wilson Brito beneficiou o então povoado, pois o mesmo era morador do lugar.

Questionada sobre o incêndio e a possível relação do fato narrado com o processo eleitoral de 1972, Celestina recordou da ocorrência de mais dois incêndios entre o final da década de 1970 e meados de 1980 , no entanto, informou que desconhece os “verdadeiros motivos”, mas que sabe de ouvir dizer que o primeiro foi causado por um amante enciumado por Maria “Mil Réis”.

Já um morador anônimo, homossexual, que gosta de recordar que na década de 1970 contava com o apoio e discrição de Maria “Mil Réis”, que alugava quartos da currutela para seus encontros amorosos, lembra de ter ouvido falar da ocorrência de um incêndio no lugar, mas diz não saber nada a respeito sobre a versão de que tenha sido provocado por um amante enciumado.

“Era uma cafetina! Será que teve a sorte de encontrar alguém para lhe ter ciúmes?…. Duvido muito”. (Gargalhadas).

Maria “Mil Réis” faleceu no no ano de 2008, no asilo da cidade, não teve filhos, criou um sobrinho, e uma menina que adotou ainda criança. Todos estes fatos narrados nesta construção evidenciam que ela possuía a habilidade de conciliar outras funções sociais além do ofício e do estereótipo pelo qual é mais lembrada.

No presente, nas proximidades da avenida São Paulo e na região do Shopping PátioMix, onde ficava sua currutela, a alcunha “Maria Mil Réis” por muitos anos deu nome ao lugar. Nos bairros próximos, segundo alguns moradores, o dito popular “Quer saber? pergunta a Maria Mil Réis” ainda faz lembrar que por ali morou uma mulher popular com grande influência e poder.

Referência:

GUERRA, Jaison C. Pereira; SILVA. Leonardo Santos. O processo de emancipação política de Teixeira de Freitas (1972-1985). UNEB 2010.

Conversa informal com Celestina Macedo 2015.

Conversa informal com Edjair Nunes 2017.

Conversa informal com morador anônimo 2018.

*Daniel Rocha
Historiador graduado e Pós-graduando em História, Cultura e Sociedade pela UNEB-X.


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Domingos Cajueiro Correia, de 65 anos, é o primeiro policial rodoviário a se formar no município. Ele faz parte de uma família que leva consigo a história de Teixeira de Freitas, desde quando era um pequeno povoado até a sua criação, e que contribuiu para o desenvolvimento do município. Hoje, além de atuar nas rodovias, ele dedica seu tempo para contar relatos narrados por seus familiares. Aproveitem este espaço que vai mostrar curiosidades que muitos teixeirenses desconhecem.

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